O Vale do Silicio do campo fica no interior de São Paulo
São Paulo — A trajetória do agrônomo Marcelo Poletti, de 41 anos, é um exemplo de uma nova vocação que o interior paulista vem mostrando ter: a de berço para startups voltadas para o agronegócio. Em 2007, Poletti concluiu doutorado em entomologia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), braço da Universidade de São Paulo instalado em Piracicaba, a 164 quilômetros da capital.
Poletti pesquisou o uso de duas espécies de ácaro no combate a um terceiro tipo, chamado de rajado, vilão de plantações de hortaliças Brasil afora. Ao fim dos estudos, a perspectiva de mercado para esse tipo de controle biológico animou Poletti a aproveitar a existência de uma incubadora na faculdade, a EsalqTec, que aluga espaço físico para empresas de alunos a taxas módicas de até 400 reais.
Ali, ele transformou sua pesquisa num negócio, a Promip. Em 2015, a Promip teve receitas de 8 milhões de reais — o dobro do obtido em 2014. Neste ano, a expectativa é repetir a expansão.
Metade do faturamento virá de um laboratório aberto pela Promip há sete anos nos arredores de Campinas, também no interior paulista, onde 80 pesquisadores testam fórmulas de controle biológico para grandes fabricantes de defensivos agrícolas, como a suíça Syngenta e a alemã Basf.
A demanda deve motivar a abertura em breve de uma unidade semelhante em Piracicaba. “Aqui estou perto de clientes e de tecnologias de ponta”, diz Poletti. Normalmente associadas às grandes metrópoles, as startups tomaram o caminho do interior paulista — pelo menos no agro.
Segundo a Endeavor, uma organização de apoio ao empreendedorismo, há 3 000 empresas de pequeno e médio porte na cadeia do agro em cidades como Campinas, São Carlos, Botucatu e Piracicaba — um aumento de 200% em relação a 2009. O que motiva a tendência? Uma razão forte é a consistência da pesquisa em ciências agrárias e biotecnologia feita na região.
A pesquisa é o ponto de partida de boas ideias que vêm sendo postas em prática por jovens empreendedores focados na geração de negócios com alto potencial de crescimento.
Das universidades públicas locais (as estaduais USP, Unicamp e Unesp, e a federal UFSCar) e dos laboratórios da estatal de pesquisa Embrapa na região saíram 21 000 artigos científicos desde 2011, segundo o SciVal, buscador de pesquisas acadêmicas da editora Elsevier.
É uma produção 25% superior à de universidades como Stanford e Berkeley, embriões do Vale do Silício, na Califórnia, o mais conhecido reduto de startups no mundo. Somente a USP publicou 9 000 artigos em ciências agrárias desde 2011. É 30% mais que toda pesquisa em ciências agrárias de Israel, país líder mundial em fertilização de terras áridas.
O Brasil inova no campo desde os anos 70, com o melhoramento de solo no Cerrado comandado por órgãos públicos como a Embrapa. “Agora a inovação também virá de startups”, diz Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e chefe do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas. “O interior paulista, pela concentração acadêmica, é a vanguarda desse processo.”
A novidade tem chamado a atenção do capital de risco. Em julho, a empresa de biotecnologia Monsanto anunciou um fundo em parceria com a Microsoft para aportar 300 milhões de reais em empresas de setores em que o Brasil apresenta vantagem competitiva — o agronegócio à frente deles.
A Desenvolve SP, agência de investimentos do governo paulista, tem 330 milhões de reais, levantados em 2010 com o BNDES e investidores privados, para aportes em empresas inovadoras de São Paulo. Uma das investidas foi a Promip, que levou 4 milhões de reais no fim de 2014. Não foi o primeiro aporte no negócio.
Nos primeiros dois anos de operação, a demora do registro no Ministério da Agricultura para o controle biológico com ácaros, impedindo a venda da tecnologia, foi contornada com apoio da Fapesp, a agência paulista de inovação, que ofereceu 600 000 reais a fundo perdido para a Promip. O recurso veio do Pipe, um programa dedicado a cientistas dispostos a vender uma inovação.
Em 2016, o Pipe deverá desembolsar um recorde de 50 milhões de reais. “Estamos capitalizados”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor da Fapesp. Com abundância de pesquisa e capital interessado, algumas cidades do interior paulista estão montando parcerias para atrair startups do agronegócio.
Em maio, a Esalq anunciou o AgTechValley, um selo para 50 empresas de ex-alunos com quem mantém trabalho conjunto de pesquisa.
A Esalq pretende abrir um segundo berçário de empresas, num projeto apoiado pela consultora Accenture, parceira do Cubo, espaço do banco Itaú para reunir startups na capital paulista que se tornou um reduto de jovens empreendedores do país inteiro desde a abertura em setembro de 2015. “A ideia é sediar um Cubo para o agronegócio”, diz Sérgio Barbosa, gerente da EsalqTec.
Em São Carlos, a Embrapa e a Qualcomm, fabricante americana de processadores, investirão 2 milhões de reais num laboratório de pesquisas sobre o uso de drones em lavouras, divulgado em junho. O objetivo é criar equipamentos com custo de até 5 000 reais. “Queremos baratear as tecnologias para atrair startups interessadas em levá-las à prática”, diz Lúcio de Castro Jorge, pesquisador da Embrapa.
À excelência acadêmica local soma-se a proximidade de clientes dispostos a tirar proveito da inovação — as lavouras paulistas de cana-de-açúcar e laranja foram pioneiras no país na adoção de melhoria genética no controle de pragas e outras ameaças à colheita. Nesse meio, há espaço para avanços.
Em 2014, o agrônomo Sergio Goldemberg transferiu de São Paulo para Piracicaba sua empresa, a Algae, fabricante de algas que se alimentam de dejetos industriais e os transformam em ração animal. “A pecuária local depende de rações à base de milho, matéria-prima encarecida pela alta cotação em mercados internacionais”, afirma.
A intenção de Goldemberg é baratear a tecnologia com o apoio técnico das universidades locais — a Algae já tem acordos com a UFSCar e negocia com a Esalq. Neste ano, a Algae prevê crescer 20% e vender 1 milhão de reais. Apenas uma estiagem atrapalha a safra de startups da região: a restrição financeira das universidades públicas locais, âncoras das boas ideias.
Em janeiro, em meio à queda de arrecadação do ICMS, o governo paulista cortou 233 milhões de reais em verbas para a USP, a Unicamp e a Unesp, destinatárias por lei de 9,57% das receitas com o imposto estadual. “Em 2016, voltamos ao orçamento de 2010”, diz Luiz Gustavo Nussio, diretor da Esalq (leia entrevista ao lado).
A esperança é que as startups do agro floresçam — e que a bonança dê retorno à universidade, como no Vale do Silício, onde negócios abertos por ex-alunos de Stanford tradicionalmente são grandes parceiros da instituição.
Somente a fabricante de computadores Hewlett-Packard doou 300 milhões de dólares à universidade desde 2001. Seguir também esse bom exemplo do Vale do Silício poderá ajudar o ecossistema do interior paulista a crescer firme e forte.